Ele saiu de Belo Horizonte sem grandes pretensões e, como muitos imigrantes, foi deixando que a vida o levasse. Hoje, Michael Muller é um nome em ascensão no circuito independente do cinema britânico, onde tem chamado atenção por sua abordagem ousada, ao adaptar grandes obras da literatura brasileira para contextos internacionais. Seu curta-metragem mais recente, “The Lady in the Train” — inspirado no conto “A Dama do Lotação”, de Nelson Rodrigues — viralizou nas redes sociais, reacendendo o debate sobre a universalidade da obra do dramaturgo brasileiro.
“Eu fazia faculdade de publicidade no Brasil e vim pra Londres apenas para estudar inglês. Nunca planejei seguir carreira aqui, mas as coisas foram acontecendo. Me formei em cinema pela London Southbank University e alguns curtas que produzi na faculdade começaram a se destacar em festivais estudantis”, relembra Michael.
A ideia de usar elementos das obras de Nelson Rodrigues veio do incômodo de ver o dramaturgo ser pouco conhecido fora do Brasil, apesar de sua relevância. “Sempre achei muito injusto que o dramaturgo mais influente do Brasil ainda seja tão desconhecido internacionalmente. Achei que ‘A Dama do Lotação’ era perfeita pra representar os britânicos. A personagem Solange tem um comportamento que lembra muito os costumes britânicos, mas guarda uma personalidade oculta e explosiva — uma dualidade que combina com o público daqui”, explica.
O curta, filmado há 10 anos, voltou aos holofotes após uma das cenas ser compartilhada pela atriz principal nas redes sociais. Na cena, a protagonista tira a calcinha dentro de um trem lotado e inicia uma relação sexual com um desconhecido — uma sequência que chamou atenção pela ousadia e contexto inusitado. “Foi uma surpresa total. O vídeo começou a viralizar e despertou interesse do público pelo curta. Espero que os ingleses e pessoas de outras nacionalidades comecem a descobrir Nelson Rodrigues por esse caminho”, comenta Michael.
Confira uma cena do curta “The Lady in the Train”:
O Brasil dentro e fora da tela
Apesar de viver no exterior há muitos anos, Michael mantém forte conexão com suas raízes. “O brasileiro pode sair do Brasil, mas o Brasil nunca sai do brasileiro. Tudo que eu escrevo e produzo tem a nossa cultura no DNA. Estar fora, inclusive, me fez admirar e valorizar ainda mais as nossas referências”, afirma.
Produzido sem qualquer tipo de autorização oficial, “The Lady in the Train” foi filmado em trens, metrôs e pontos de ônibus de Londres em estilo “gorilla”, prática conhecida como gorilla style, popularizada nos anos 70. “A gente não tinha permissão oficial, que é muito cara e burocrática em Londres. Gravamos tudo esperando a polícia sair, com a câmera pronta, aproveitando cada brecha”, revela.
Antes desse projeto, Michael já havia produzido diversos curtas durante a universidade, quase sempre utilizando o transporte público londrino como cenário. “Acho muito cinematográfico. Além disso, busco contar histórias protagonizadas por imigrantes, porque é uma forma de dar visibilidade a essa vivência tão presente por aqui.”
Próximos passos: mais literatura, mais Brasil
Com o novo interesse em torno de “The Lady in the Train”, o cineasta já começa a pensar em expandir o universo da personagem ou mesmo adaptar novas obras da literatura brasileira. “Adoraria transformar o curta em um longa, ou quem sabe pegar algum outro personagem da obra de Machado de Assis e contar sua história fora do Brasil. O que precisamos é mostrar ao mundo como nossa literatura é rica e diversa”, defende.
Mesmo radicado no exterior, Michael não descarta voltar às origens. “Moro fora do Brasil há muitos anos, mas tenho muita vontade de filmar algo por aí novamente. Sinto que estamos apenas começando a mostrar o poder da nossa cultura no cinema mundial.”
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